sábado, março 24, 2007

Esmola a crédito














Não domino suficientemente Economia para discorrer sobre Microcrédito ou sobre Muhammad Yunus, Prémio Nobel da Paz no ano passado e que esteve por estes dias em Portugal.

Contudo, das numerosas entrevistas que deu retive um excerto que passou na RTP1 em que o economista, banqueiro e agora também político, falava dos critérios de atribuição de crédito bancário. Dizia ele qualquer coisa como: escolhemos alguém que não tenha nada, rigorosamente nada, para lhe conceder o empréstimo. Se houver um pobre com mobília e outro sem uma cadeira sequer, escolhemos o último.

Para além do novo partido de Yunus cheirar a populismo, o seu comentário não deixou de me perturbar. O domínio em que Yunus trabalha é o da mais absoluta miséria. Trabalha sobre aqueles que nada tendo (e aqui pergunto-me se Yunus, tal como Hayek, não terá estudado psicologia) são capazes de fazer tudo pela própria sobrevivência.

O que me revolta nesta personagem, proveniente de um dos país mais pobres do mundo (Bangladesh), é passar por altruísta uma actividade comercial que visa, naturalmente, o lucro. Não que isso, o lucro, tenha algum mal, tal como a religião não tem mal nenhum se não se aproveitasse, precisamente, de um mesmo pasto: a ignorância ou a miséria.

As profundas implicações políticas de uma actividade como esta (a do Microcrédito) são muitas, sobretudo minar a actividade social dos Estados e reforçar a ideia neoliberal de que a iniciativa privada pode suplantar os governos até na redistribuição equitativa da riqueza.

Ontem, porque tenho a sorte de ver televisão espanhola, vi o documentário «Memória del Saqueo» de Fernando Solanas (2002-04) sobre os últimos anos da história da Argentina que, em dezembro de 2001, conheceu as maiores manifestações populares de sempre em clima de falência do país.

Sob a presidência de Carlos Ménem, a Argentina sofreu uma reforma radical do Estado (ultraliberal) que privatizou tudo, desde os riquíssimos recursos em petróleo e gás (a espanhola Repsol comprou a estatal argentina YPF), passando pela televisão, telefone, produção agrícola, caminhos-de-ferro, etc..

Os crimes financeiros então cometidos, com a cumplicidade do poder político, judicial e mesmo dos sindicatos, colocou a Argentina à beira do abismo. Europa (sobretudo a França e a Espanha), EUA e FMI contribuiram em muito para que as coisas tivessem chegado a esse estado, com a sua dupla política liberal na Argentina e proteccionista em casa. As empresas estrangeiras que compraram as argentinas a preços da chuva, não cumpriram os contratos a que estavam sujeitos e nenhum sector se viu beneficiado com a privatização. Em poucos anos, um país com a capacidade de produzir alimentos para 300 milhões de pessoas via morrer diariamente 100 de inanição, sendo que em 2001 60% da população era pobre ou indigente.

Nunca vejo esta gente falar do caso argentino por algum motivo: porque prova a total falsidade das suas propostas. Os pequenos motivos que todos os dias parecem dar razão aos liberais do burgo, como a actividade de Yunus, escodem uma realidade, cuja sordidez só pode ser comparada com os antigos regimes totalitários do leste europeu e demais países ditos «socialistas». A corrupção tornará sempre qualquer sistema económico totalitário (total ou nula interferência dos Estados na suas respectivas economias) um falhanço. Um falhanço que foi uma tragédia no século XX e pode ser a nova tragédia do século XXI.

A esmola a crédito de Yunus é só mais um sintoma dessa caminhada perturbadora que parece imparável. Também em Portugal.

(aqui vos deixo um excerto do filme de Solanas)

sexta-feira, março 23, 2007

Kova M.

A ler, este artigo do El Pais sobre a Cova da Moura.

Cobardia

Hoje ouvia na série House uma coisa fabulosa, curiosamente enquanto a personagem principal dissertava sobre a necessidade de legalizar a IVG: as coisas só se tornam claras quando atingem um limite.

Não pude deixar de colar essa ideia a este post da f.. Numa coisa este país de merda é excelente: na maledicência e na cobardia. Atingimos mesmo um limite colectivo de savoir faire. Um país de exímios cobardes.

quinta-feira, março 22, 2007

P, de pasquim



















Independentemente do profissionalismo da investigação de Ricardo Dias Felner sobre as irregularidades no processo de obtenção de uma licenciatura pelo nosso Primeiro, cheira a lambebotismo nos corredores do Público.

Ainda ontem o futuro «novo timoneiro» do grupo que detém o dito jornal, escolhido com uma "naturalidade" culturalmente próxima daquela que agora se quer ver discutida a propósito do canudo de Sócrates, teve direito a quatro páginas da mais pura adulação e a correspondente foto de primeira-página.

Aliás, não há dia em que não saia a cara estampada de Paulo Azevedo; na publicidade ao próprio jornal ou em não-notícias como a que saiu na edição de hoje com o título «Mercado aprova ascensão de Paulo Azevedo na Sonae SGPS». Uma bajulação, do princípio ao fim.

Não creio que o grupo Sonae interfira na linha editorial no Público por uma razão simples: o director do jornal fá-lo sem necessitar de ordens superiores. Só há uma coisa que me inquieta: compensa ao grupo Sonae ter propaganda paga a peso de ouro?

quarta-feira, março 21, 2007

Novo mínimo jornalístico

O Público mudou. Para pior, claro. Antes ainda nos deparávamos com alguma seriedade mas agora, que as vendas andam pela rua da amargura, dia-sim-dia-não saltam cá para fora meias-verdades, interpretações mentirosas, que não têm outro objectivo senão vender. Parece um vírus que anda para aí a atacar a imprensa escrita dita de «referência».

Na última página costumam sair uns quadradinhos com uns "sobes e desces" e respectivas setinhas. Hoje vinha o seguinte comentário sobre a telenovela CDS-PP:

O Conselho Nacional do CDS-PP não constituiu um momento edificante da vida partidária, com acusações e agressões que foram para além da própria reunião. Mas a contra-acusação de Hélder Amaral a Maria José Nogueira Pinto, de que estaria a acusá-lo injustamente devido à cor da sua pele, definem um novo mínimo do debate político.

Ora quem assistiu pela televisão às declarações do representante beirão do CDS, ou leu a sua transcrição (aqui, curiosamente), não pode tirar as ilações constantes no Público; nem mesmo os militantes do partido estão autorizados a fazê-lo, sob pena de caírem na pior das «políticas sujas». Hélder Amaral disse o seguinte a propósito da sua alegada agressão a Maria José Nogueira Pinto:

Se isso fosse verdade, era a pior das cobardias. Mas é demagogia da mais barata: tal como seria eu vir aqui dizer que ela me está a atacar por não ser branco como ela. Não irei por aí.

Como é fácil perceber, na declaração de Hélder Amaral não constam quaisquer acusações racistas a Maria José Nogueira Pinto; estava sim a acusá-la de demagogia quando Nogueira Pinto invocou a sua condição de mulher para reforçar a gravidade da suposta agressão. Seria, no entender de Amaral, como ele apoiar-se na sua condição de negro para se defender.

Ao afirmá-lo, Amaral usou coerentemente a sua consciência política e isso só merece o meu aplauso: misoginia e racismo não constam do léxico ideológico da sua direita, são-lhe indiferentes, invisíveis e não podem contar na luta política. Foi, de certa maneira, Maria José Nogueira Pinto quem inovou no discurso político ao trazer ao debate da direita, mesmo que off the record, a questão da violência de género.

Assim parece-me um pouco abusivo que o Público tenha publicado aquela pequena insinuação. Independentemente das cenas terceiro-mundistas no CDS-PP (que não são de todo inéditas, nem marcam nada de novo), quem me parece ter atingido um novo mínimo jornalístico foi o Jornal de José Manuel Fernandes.

Tele-lixo














Finalmente um reality show no sítio certo. Mais uma grande experiência do Channel 4 que há-de certamente entusiasmar a TVI.

Fernandopessoar

A minha língua também é a minha prisão.

segunda-feira, março 19, 2007

Doméstica ou domesticada?

De vez em quando tenho a infelicidade de ver isto. Não tenho daquelas famílias prá frentex que têm como política não ver televisão à hora das refeições.

Tive, assim, a oportunidade de assistir a este diálogo entre apresentador e concorrente:
- Então faz o quê?
- Sou doméstica.
- E já trabalhou?

Liberdade

Um célebre post de Vasco Pulido Valente (VPV) exemplifica bem esta moda, que entretanto parece estar instalada, de achar que os tempos estão especialmente virados para a censura. Clima esse que VPV, mesmo tendo vivido no tempo de ditadura, afirmou nunca ter sentido tão intensamente como agora. Duvido é que Salazar estivesse, desta vez, do lado dos supostos censores.

A «agenda politicamente correcta» é, então, a responsável por essa nova «máquina de produzir censura», não poupando, imagine-se, as elites pensantes da nação, como se sabe, tão poucos habituadas à crítica como qualquer outra parte da sociedade portuguesa. Não é mesmo por acaso que o dicionário da língua portuguesa recolhe como sinónimos, precisamente, crítica e censura.

Entre outras muitas coisas, nessa «agenda politicamente correcta» é metida, indistinta e propositadamente, a luta pela(s) igualdade(s); outra palavra sujeita a intensa erosão pela politiquice incorrecta.

A igualdade ganha-se no plano legislativo (agente simbólico e orientador), mas sobretudo num campo mais pastoso e mais difícil: no todo que compõe a cultura de um país. Se, no primeiro caso, sabemos que as medidas anti-discriminação têm sido mais que frouxas ou remetidas para as calendas, no plano cultural não há meio de os novos valores entrarem no ADN nacional. Porquê? Porque esse caldo cultural está impregnado de mecanismos perpetuadores dessas mesmas discriminações. Através da língua, através do anedotário, através de todo o género de relações, das laborais até às mais íntimas, as lá de casa.

E esses mecanismos, os verdadeiramente censores, são uma marca identitária nacional. Lutar contra isso é, em certa medida, lutar contra a genuinidade nacional, mesmo que ela seja boçal, mesmo que seja invisivelmente criminosa.

Uma noção de liberdade que conviva assim, despreocupadamente, com a homofobia, a misoginia, o racismo ou a xenofobia, não me seduz de todo.Cheira a bafio e a Polónia.

[publicado originalmente aqui]

sábado, março 17, 2007

Diário da manha



















O Diário de Notícias já cheira a Correio da Manhã. Sente-se à légua quando se lê e vê a forma como foi tratada esta notícia, com direito a destaque na primeira página de ontem (na imagem) e que esteve na origem do editorial desse mesmo dia com o sugestivo título de «Números-surpresa».

Vamos por partes. A primeira-página.

«Mulheres ganham mais do que os homens na função pública», em letras garrafais e, em subtítulo, «Elas são mais qualificadas e por isso têm salários em média 26% superiores aos deles».

Ora a partir da leitura do artigo não é possível inferir que as «mulheres ganhem mais do que os homens», existe sim uma quantidade maior de mulheres em profissões melhor remuneradas e que exigem melhores qualificações (professoras, médicas, enfermeiras, etc.), fruto do boom universitário dos anos 90 que foi maioriamente feminino.

Aliás, no próprio texto é sugerido que para as mesmas qualificações um homem ganha mais do que uma mulher, não porque os estatutos da função pública discriminem por sexo, mas porque a subida na carreira é mais difícil para uma mulher do que para um homem, com a correspondente diferença salarial. Exemplos práticos. É mais comum um especialista de estomatologia chegar à chefia do seu departamento do que uma colega sua. É mais comum um professor chegar a director de uma escola do que uma colega sua. So and so on.

«Portuguesas ganham mais na função pública» era o título da notícia on-line. Suponho que lhe falte a parte que compara as portuguesas aos... portugueses. Mas, neste caso, o título é mais verdadeiro do que o título da primeira-página da edição impressa. Não tenho a menor dúvida que, com as mesmas qualificações, uma mulher portuguesa tenha menores remunerações no privado do que na função pública. Aliás, tenho a impressão de que a imensa maioria dos trabalhos mal-remunerados, fora do Estado, é ocupado por mulheres, independentemente da sua formação.

O Editorial é, no entanto, a pedra-de-toque de tudo isto. «Números-surpresa». Uma pessoa minimamente atenta percebeu logo que a notícia, e ela baseia-se num estudo do Banco de Portugal de 2005 sobre dados de 1999, tem a intenção de passar a sensação de que no «Reino da Mulher Portuguesa» tudo vai tão bem que até, imagine-se o cúmulo, ganha mais do que o desgraçado do homem.

Aliás o colectivo de editores é ainda mais claro: Esta liberdade do Governo britânico, que em nome da igualdade deve ter posto os homens a rogar pragas às colegas, tem poucas probabilidades de acontecer por cá. E, por uma vez, por boas razões. Não, não é pela mesma falta de vontade que nos impede, por exemplo, de ter paridade de homens e mulheres no Parlamento. José Sócrates não vai aumentar as funcionárias portuguesas ou diminuir os funcionários, igualando-os, não porque não o queira, mas simplesmente porque não precisa.

E não precisa porquê, imagina o leitor, perplexo com a modernidade da nossa sociedade quando comparada com essa primitiva e sempre igualitária sociedade britância: porque a mulher portuguesa se esforça, se mata a trabalhar para o conseguir.

O que faltou dizer foi que a mulher se esforça e se mata a trabalhar para conseguir... aquilo que o homem consegue sem o mesmo esforço. Porque, para esta gente, não só cabe à mulher o ónus da «prova» (de que é tão competente quanto um homem; um ser humano, portanto, como qualquer outro) como deve suportar sozinha o facto de ter que dar muito mais cartas no trabalho do que o parceiro masculino; de que deve ser uma mártir (trabalhadora e mãe exemplares) e de que não é o machismo que se deve vergar, é a mulher que deve procurar furar num mundo onde as regras laborais convivem alegremente com o machismo, o nepotismo, o favoritismo, não constituindo, assim, uma força de pressão sobre esses mesmo «ismos» que viciam e conformam uma maneira tão portuguesa de estar no mundo, mas participando alegremente desse mesmo espectáculo; de que o Estado não deve intervir, reforçando os instrumentos necessários para que essas situações possam desaparecer, descarregando parte do fardo que a mulher tem que suportar sobre os ombros.

Não tinha dúvidas de que o Correio da Manhã é o melhor jornal português, em muitos sentidos. É vulgar, popularucho sim, de direita e ligado profundamente aos interesses da ICAR, mas é simultaneamente o mais honesto nessa relação e o que melhor consegue fazer passar a sua agenda, através de uma longa tradição de abusos de interpretação e sensasionalismo por vezes mentiroso. O DN pode agora seguir-lhe o exemplo. No engenho, na manha e nas vendas.

sexta-feira, março 16, 2007

A gigantesca indústria de erotismo


















Edward Norton

Fui ver este The Illusionist. Podia ter sido um bocejo do princípio ao fim. Mas uma sala de cinema é mesmo mágica.

Poucos ambientes me puxarão tanto para a reflexão como aquele espaço. Sempre estudei melhor numa esplanada de café do que em bibliotecas.

Sou um frequentador tardio de cinema; aliás um pouco como em tudo. A primeira relação afectiva, por exemplo, tive-a já com 20 e muitos. A primeira sessão de cinema aos 17. Desde então e porque, por felicidade, morei durante anos em frente de um complexo de cinemas, tornei-me não um conhecedor de cinema mas um assíduo do Avenida.

E uma das coisas que um assíduo começa inevitalvelmente a fazer é seleccionar. O dinheiro não chega para tudo e, a determinada altura, não se vai mais ver o que já se viu 1000 vezes. Refiro-me à receita americana. Rapaz pobre enamora-se de rapariga rica, rapariga rica enamora-se de rapaz pobre, relação impossível e adiada, reencontro posterior, drama aos molhos e, no final, tudo fica bem e vivem happily ever after. Explêndida fotografia, música de Phillip Glass, umas maningâncias de script, efeitos especiais, bons actores e actrizes.

Bocejo.

O que faz então uma pessoa como eu que se recusa a sair de uma sala de cinema por respeito ao seu bolso e que não tinha melhor programa para essa noite? Vê corpos/caras lindas de morrer. Como o/a de Edward Norton (no meu caso apesar da moça ser linda não lhe encontrei a mesma «graça»).

Não tivesse o filme dado uma pequena reviravolta no final, o que o tornou menos desinteressante do que à primeira vista parecia e que me devolveu por instantes ao drama, e a única coisa que recordaria desta noite seria a sensação, boa, de ter estado na cama com Edward Norton.

quarta-feira, março 14, 2007

Vazio estratégico



[Via Cibertulia]

terça-feira, março 13, 2007

Vigilâncias à moda antiga 1

Não é estranho que o PP da Extremadura espanhola critique a obra de Jam Montoya e o patrocínio concedido ao artista pela Consejería de Cultura de Extremadura [via DosManzanas]. Em Espanha a política apaixona e não há crises de direita e de esquerda, como parece, e reforço parece, que acontece em Portugal.

Aliás a atitude do PP merece o meu contínuo aplauso: desde a sua recusa em apoiar a lei do matrimónio entre pessoas do mesmo sexo, passando pela oposição à lei que consagra a disciplina «educação para a cidadania» em detrimento da obrigatoriedade da disciplina de «religião e moral», ao uso e abuso da ETA como arma política e a colagem permanente com o corpo ideológico ICAR espanhola. Sabemos o que é o PP espanhol: socialmente conservador, economicamente nacionalista e liberal.

Para fazer política é preciso coragem, mesmo para defender as ideias mais idiotas.

De resto, aqui ficam algumas imagens que o PP achou «absolutamente nauseabundas y escatológicas, al margen de creencias, libertad de expresión y creación». Da série Sanctorum (1997) © Jam Montoya:


















Nuestra Señora de Lourdes



















La Piedad



















El último deseo

Contra-reforma do Século XXI

Ao contrário do noticiado pelo PÚBLICO, Bentinho não está a reformar a missa e a recuperar outros ritos, está a regressar aos modelos do passado.

O ex-Tribunal do Santo Ofício (a actual Congregação para a Doutrina da Fé) parece estar igualmente saudoso do passado que o tornou famoso. Para quando o regresso da implacável máquina de anti-relativismo?

Verka Serduchka



Via renaseveados descubro Verka Serduchka, representante da Ucrânia no Eurofestival da Canção 2007. Absolutamente fabuloso o «Hop Hop» de Verka, descoberto no Youtube. É fenomenal o desassombro com que brinca consigo próprio e com a sua cultura.

Não percebo nada do que diz a música, se é que há alguma coisa para perceber, mas basta ver o videoclipe para descobrir que é um murro no estômago dos puristas; daqueles para quem é sacrílego mexer em conceitos tão centrais, e politizáveis, como sexualidade e nacionalidade.

Apesar de «Danzig», a música que Verka leva para Helsínquia, não ter um portentoso vídeo como «Hop Hop», é este ano que revejo e voto no Eurofestival, porque, se a comunidade imigrante ucraniana for tão conservadora como a emigrante portuguesa, não leva os tais 12 pontos que merece.

domingo, março 11, 2007

A bela merda









Ora aqui está um programa cheio de humor. É de ir às lágrimas.

A vida sem lindas mulheres, naturalmente burras, e homens mal-amanhados, naturalmente inteligentíssimos, não tem piada nenhuma.

Eles vão ensinar às voluptuosas, mas poucos cerebrais, raparigas a contar até 10. Elas o bê-à-bá da sedução a tristes machos onanistas. Adões e Evas modernizados, que comem, muito portuguesmente, bacalhau com batatas e vêm a TVI entre um arroto e outro.

Deus nosso senhor não os manda à fava. Desta vez aplaude alarvemente, devidamente acompanhado pela excelsa e mui vanguardista classe académica do rectângulo. Sim, o programa conta com um jurado de luxo: Rui Zink e Clara Pinto Correia.

Aposto é que a Prisa não se atreveria a patrocinar um programa destes em Espanha. Mas em Portugal a misoginia tem o seus encantos e vende como merda. É todo um filão a explorar.

sábado, março 10, 2007

Vigilâncias à moda antiga

Suponho que seja tão velho como a Humanidade e apenas conheço um termo adequado em inglês: bullying.

In colloquial speech, bullying often describes a form of harassment perpetrated by an abuser having more physical and/or social power and dominance than the victim possesses. The victim of bullying is sometimes referred to as a target. The harassment can be verbal, physical and/or emotional.


Norwegian researcher Dan Olweus defines bullying as when a person is "is exposed, repeatedly and over time, to negative actions on the part of one or more other persons.". He defines negative action as "when a person intentionally inflicts injury or discomfort upon another person, through physical contact, through words or in other ways."

Em Espanha, wherelse, a sensibilidade dominante e as políticas públicas apelam claramente para refrear este fenómeno que se constitui como o «braço armado e invisível» pelo qual se transmitem todo o género de discriminações. Nas escolas, por exemplo, alunos LGBT enfrentam todos os dias o insulto e a piada fácil que transforma o seu crescimento num processo ainda mais doloroso. O ELPAIS trazia ontem alguns testemunhos.

Em Portugal, não há qualquer sensibilidade para estes assuntos. Há sim, uma atitude frouxa de pessoas, colectivos e políticos cheios de medo de ferir consensos.

Parece mesmo pairar no ar um sentimento de desconfiança. Dar a entender que a empedernida linguagem sexista ou racista/xenófoba pode causar, e sempre causou, sofrimento inútil é visto como uma tentativa de limitação da liberdade de expressão alheia. Onde não há discussão, não há definição de fronteiras entre o que é uma crítica e um insulto. Não há evolução de formas de humor que ultrapassem o género «levanta-te e ri».

Mais. Paira no ar que quem denuncia esses esquemas antiquíssimos de perpetuação de preconceitos, para além de chato, é um censor, um pequeno ditador, que não respeita as opiniões alheias, criando assim, por incrível que pareça, uma nova classe de vítimas: as do politicamente correcto.

Acontece que, não só essas «novas vítimas» sempre foram os vigilantes da minha e de milhares vidas (e continuam a sê-lo, infelizmente) como a expressão «politicamente correcto» é usada, propositadamente, num contexto diferente para o qual suponho ter sido engendrada: é politicamente correcta a atitude dominante numa sociedade. Quem me dera a mim que a luta contra a misoginia, a homofobia ou o racismo estivessem no ADN de qualquer português. A Democracia não está sedimentada quanto mais formas melhoradas desse mesmo conceito.

quinta-feira, março 08, 2007

Liberalismo à moda antiga

O liberalismo português cobre um largo espectro de perspectivas. Ultimamente até ficámos a saber que o fascismo está incluído nesse espectro.

E dentro desse vasto leque, Francisco José Viegas intitula-se um «liberal à moda antiga». É uma expressão curiosa e muito certeira. A misoginia é tão antiga como as piadas machistas que a alimentam. E exije, claro, um corajoso espírito liberal e politicamente incorrecto.

P.S. "A ignorância fingida, como ensina a Bíblia, é pecado", dizia esta semana Rui Tavares no Público. Acho que assenta como uma luva a este post de Francisco José Viegas.

quarta-feira, março 07, 2007

Parceria estratégica




Cara f., a RTP está a comemorar 50 anos de existência e não seria agora que a «parceria estratégica» com a ICAR iria deixar de se fazer notar.

De resto, temo que no rol das "especiais exigências de rigor, de imparcialidade e de qualidade da programação" de Cavaco Silva não se inclua o item laicidade.

Lavando a carinha

Parece que o Governo português não reconhece legitimidade a relatório americano sobre direitos humanos. Eu gostaria, sinceramente, de saber porquê? Tanto mais que o dito relatório parece apontar coisas que qualquer português concordaria: abusos das forças de segurança, más condições das cadeias, recurso excessivo da prisão preventiva e tráfico de mão-de-obra estrangeira e de mulheres.

De onde vem, então, a ilegitimidade americana? Dos atropelos aos direitos humanos nos EUA dos quais raramente se ouve falar em Portugal salvo uma ou outra noticiazinha de rodapé sobre penas e corredores de morte? Ou, por exemplo, do tratamento a prisioneiros de guerra em Abu Grahib e Guantánamo?

A ser a segunda hipótese impõe-se a seguinte reflexão: não tendo Portugal nada a recear, e tendo uma tão má imagem dos EUA no que toca a este assunto, não seria necessária uma cautela extrema com os voos militares americanos, mesmo que efectuados ao abrigo de mandatos das Nações Unidas? Chegava a boa-fé?

A pouca vergonha disto tudo é que crimes contra a dignidade do Homem, tanto os perpetrados por outros em território nacional como os nossos próprios, passam sempre para segundo plano quando toca a lavar a carinha do rectângulo. Num caso, para se lavar a cumplicidade dos governos portugueses com a vergonhosa política americana no Iraque, no segundo para apagar os atropelos internos aos direitos humanos, alguns deles tão antigos como a República.

Mais, políticos como Ana Gomes são uma raridade em Portugal, mas não nos EUA mesmo numa Administração liderada por Bush. Políticos que colocam uma fasquia a partir da qual não descem: a defesa intransigente da democracia e da dignidade do homem, seja em que circunstância for.

segunda-feira, março 05, 2007

Obrar na Pátria










Foto do DN.


Para quem não saiba o Museu de Salazar já existe e está aqui. Adivinham-se, pelos conteúdos do congénere virtual, os isentos estudos que se produzirão na Casa do Vimieiro!

O subtítulo da página web é, já de si, todo um programa: Salazar - o obreiro da Pátria. Mas vale a pena espreitar todo o site. Especialmente deliciosas são as mensagens dos saudosos da disciplina e da autoridade.

Disciplina, autoridade e recompensa















Que saudades do tempo em que as criancinhas eram um doce! Para quando uma petição pelo regresso da «menina dos olhos» e das «orelhas de burro»?

Travestis da bondade


















«Santa Sé denuncia violência contra as mulheres», pode ler-se no sítio oficial da ICAR em Portugal. No mesmo sítio (não, não é esquizofrenia, é mesmo cinismo), pode ler-se «Mulheres «ordenaram-se» e arriscam a excomunhão».

Como quem sacote a água ao capote, que é como quem diz: nós não temos responsabilidade sobre a cultura misógina dominante e sobre a violência que se abate sobre as mulheres (expressão última do desprezo sobre o género feminino); lá vai a ICAR fazendo de conta que é a bondade personificada.

Um dia, estes travestis terão também que pedir desculpas, como em tantos outros crimes de que foram cúmplices e/ou instigadores. É o processo habitual, através do qual têm lavado a carinha e conseguido sobreviver.

sexta-feira, março 02, 2007

Un chant d'amour



Un chant d'amour, Jean Genet (1950). Dedicado a todos os polícias, especialmente aqueles que vigiam a moralidade e os bons costumes.

Quando toca a proibir, este país sempre esteve na linha da frente. A «proibição» está, parece-me, no código genético da nação. É só mais uma layer de clandestinidade.