segunda-feira, março 19, 2007

Liberdade

Um célebre post de Vasco Pulido Valente (VPV) exemplifica bem esta moda, que entretanto parece estar instalada, de achar que os tempos estão especialmente virados para a censura. Clima esse que VPV, mesmo tendo vivido no tempo de ditadura, afirmou nunca ter sentido tão intensamente como agora. Duvido é que Salazar estivesse, desta vez, do lado dos supostos censores.

A «agenda politicamente correcta» é, então, a responsável por essa nova «máquina de produzir censura», não poupando, imagine-se, as elites pensantes da nação, como se sabe, tão poucos habituadas à crítica como qualquer outra parte da sociedade portuguesa. Não é mesmo por acaso que o dicionário da língua portuguesa recolhe como sinónimos, precisamente, crítica e censura.

Entre outras muitas coisas, nessa «agenda politicamente correcta» é metida, indistinta e propositadamente, a luta pela(s) igualdade(s); outra palavra sujeita a intensa erosão pela politiquice incorrecta.

A igualdade ganha-se no plano legislativo (agente simbólico e orientador), mas sobretudo num campo mais pastoso e mais difícil: no todo que compõe a cultura de um país. Se, no primeiro caso, sabemos que as medidas anti-discriminação têm sido mais que frouxas ou remetidas para as calendas, no plano cultural não há meio de os novos valores entrarem no ADN nacional. Porquê? Porque esse caldo cultural está impregnado de mecanismos perpetuadores dessas mesmas discriminações. Através da língua, através do anedotário, através de todo o género de relações, das laborais até às mais íntimas, as lá de casa.

E esses mecanismos, os verdadeiramente censores, são uma marca identitária nacional. Lutar contra isso é, em certa medida, lutar contra a genuinidade nacional, mesmo que ela seja boçal, mesmo que seja invisivelmente criminosa.

Uma noção de liberdade que conviva assim, despreocupadamente, com a homofobia, a misoginia, o racismo ou a xenofobia, não me seduz de todo.Cheira a bafio e a Polónia.

[publicado originalmente aqui]