quinta-feira, janeiro 25, 2007

RTP Famílias Numerosas




Há dias uma leitora dizia-se perplexa com a minha análise a uma peça jornalística apresentada pela SIC sobre Procriação Medicamente Assistida (PMA). E encontro razões para que ela, e muitas outras pessoas que lessem o meu texto, se sentissem igualmente perplexas. Praticamente não existe em Portugal sentido crítico, existe um sentido censório (que todos sabemos de onde vem) e que, claro, é mais sentimental que argumentativo. Contra isso não há nada a fazer. Não há nada a argumentar, porque o que o coração sente, a razão ou o pensamento não podem desmentir. Todos nos enternecemos com o riso ou o choro de uma criança de meses. Para não falar de imagens de fetos que passam por crianças.

É por isso que é quase inútil combater a falta de sentido crítico em Portugal. A generalidade das pessoas não têm instrumentos que lhes permitam ler notícias e formar um pensamento distante daquele que o quadro cultural estabelece. Não em vão cada vez mais gente se opõe ao ensino público e à sua obrigatoriedade. Não em vão as telenovelas ocupam os espaços televisivos que deveriam ser ocupados com programas de transmissão de conhecimento e de desafio à mente.

A RTP, e os media em geral, sabem disso. Nada de mal viria ao mundo se isso fosse ainda mais transparente. A de que a actividade jornalística é uma actividade interpretativa. Infelizmente, ao contrário da vizinha Espanha por exemplo, em Portugal as coisas passam-se como se houvesse uma suposta verdade superior. Um suposto lado isento. E tudo passa com a maior das canduras e das inocências, porque o que lá vem escrito ou dito só pode ser a "verdade". Combatê-la é, não só, um exercício inútil como perigoso. É-se doido varrido porque se viu o que mais ninguém viu.

Todo este paleio a propósito de mais uma lavagem de cérebro no Jornal da Tarde da RTP. De hoje claro. Duas notícias sobre o referendo (que continua, sabe-se lá porquê, a ser ao aborto). Antecedido por uma chamada de atenção sobre um novo instrumento, apresentado pela Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN), que «permitirá qualquer pessoa ou entidade efectuar as suas projecções demográficas, com uma enorme riqueza de dados».

Depois das duas peças sobre o referendo, uma das quais sobre a enorme «diferença que separa o número de visitas ao vídeo do "Professor" e ao de Francisco Louçã», eis a bomba: a APFN propõe um cenário demográfico catastrófico para o Portugal de 2050. Criancinhas, maternidades, choro aqui e beicinho acolá. Tudo já bem longe da violência sobre crianças por parte de membros de uma instituição católica de acolhimento a «meninas» com que o Jornal abriu.

Pergunto-me a mim mesmo o que achará a minha leitora disto tudo. O mais certo é dizer-me que sou uma vergonha para o SIM no referendo e que não há mal nenhum em emocionar-se com os nascimentos e com o apelo à natalidade. Que não há quaisquer intenções de apelo ao Não. Que elas só estão na cabeça de uma pessoa transtornada. E o mais certo é o provedor da RTP achar exactamente a mesma coisa.