quinta-feira, fevereiro 22, 2007

A História enquanto obscenidade








A História é, como deveria constar em qualquer manual escolar, uma ciência, e, como qualquer outra, uma disciplina em constante evolução.

No entanto, não sendo contrariada, no seu todo, esta tese (já que a História é também estória), vendo «Os Grandes Portugueses», ficamos com a sensação de que em Portugal tal disciplina é apenas, e ainda, encarada como um objecto imutável. Gravada na pedra.

Trata-se, obviamente, da herança historiográfica romântica do século XIX, sublimada durante a ditadura fascista; herança que tende a enaltecer o «bom» e a esquecer o «mau», a omitir a heterogeneidade dos factos, homogeneizando uma sucessão de acontecimentos que parecem traçar um destino. Um grandioso destino.

E há nesta maneira de encarar o passado, uma certa obscenidade. O crime não interessa tanto como os actos louváveis. Essa maneira de usar (estamos no domínio da política) a História, encerra em si o negacionismo: recusa-se a reconhecer que, nos insterstícios do «grande desígnio», se podem esconder as maiores barbaridades. É, então, um objecto propangandístico. Foi-o durante o fascismo, assim como no século XIX, quando se começava a «forjar» a «identidade nacional».

Mas estamos no século XXI, por incrível que possa parecer. E é isso o que mais me entristece quando vejo programas como o proposto pela RTP, ou quando leio Rui Ramos no Público, seleccionando apenas aquilo que, do ponto de vista político, lhe interessava mostrar da história recente do país.

O programa de hoje, valeu sobretudo pelo contador da estória, um tal Gonçalo Cadilhe, surfista nos tempos livres, pelos vistos. Já que está inscrita na minha pele a promisquidade e a languidez (não é assim o corpo e a mente de um homossexual? que seja, portanto!), não tenho vergonha em afirmar que vi o programa até ao fim pelo lindo corpinho do apresentador.

Felizmente, a parte mais obscena foi já no final: uma suposta aproximação entre os povos, simbolizada por uns «espécimes» reunidos em roda e cujo principal impulsionador teria sido o glorioso Infante D. Henrique . Felizmente para Cadilhe, nenhum «espécime» se lembrou de dar um murro no estômago do apresentador. Aí sim, ter-se-ía concretizado uma boa metáfora e mostrado um pouco melhor do que foi, também, esse «encontro de povos». Mas isso seria, de facto, História.