"Não há nada que se faça que não se saiba"
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Enquanto ouvia hoje, numa conversa de café, alguém pronunciar este adágio (o que dá nome ao post), lembrei-me de quanto Salazar continua vivo entre nós.
Ouvir o que, no quotidiano, as pessoas dizem e a forma como o dizem, é um exercício que faço com gosto e, quase sempre, com revolta. Revolta, porque tendo eu um espírito revoltado e um cérebro preguiçoso, não conseguiria fazer-me entender. Queria poder explicar-lhe(s) (sem paternalismos e sem sobranceria intelectual) que tal adágio é uma forma do conjunto de pessoas que constitui uma comunidade de se (auto) reprimir (porque inclui aquele que profere tal sentença); uma forma de (auto) censura e de (auto) vigilância. Uma espécie de PIDE mas em que os "bufos" somos todos nós.
A linguagem corrente está pejada destas e doutras frases que apelam ao medo de ser descoberto, apelo esse, que desemboca em hipocrisia, na vida dupla e na conservação do "património tradicional". Não em vão ouvia, no mesmo espaço, que precisávamos de um Salazar que ponha tudo como deve ser. Era uma mulher que, no tempo desse "desejado", não poderia estar naquele local.
Como refere Rui Tavares (socorrendo-se dos pensamentos de um sociólogo e filósofo francês Maurice Halbwachs) no seu grande livro sobre o terramoto de 1755: "A memória colectiva é mais fluida e irregular [do que a memória histórica], feita de pequenas histórias já adulteradas, frases feitas, ficções, músicas e artefactos folclóricos". E acrescenta mais tarde: "tal como há memória colectiva, também há esquecimento colectivo". (páginas, 197 e 198 d'"O Pequeno Livro do Grande Terramoto", Tinta da China, 3ª ed., 2006).
Bastaria pensar no caso da Gisberta para se perceber que "há coisas que se fazem que é melhor não saber".
Mas há que relativizar a coisa. Temos 30 anos de democracia. Uma população ainda, e estruturalmente, analfabeta e inculta. Uma classe política e intelectual herdeira (de facto) dos senhores de outrora. Uma comunicação social que incute a permanência dos mesmos valores e da mesma linguagem quotidianas. Comediantes que se recusam a ter um papel de "mosquito que pica o boi".
Mais 200 anos e enterramos Salazar e a Virgem de Fátima.
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