segunda-feira, abril 30, 2007

E José Sócrates disse fracturantes com aspas ou sem aspas?

A correiomanhanização do DN soma e segue. Desta vez pela pena de João Pedro Henriques. Reza assim: Casamentos "gay" para celebrar a República.

Do extenso Relatório da Comissão de Projectos para as Comemorações do Centenário da República, que pode ser lido aqui (em PDF), JPH centrou-se neste pequeno trecho:

- no campo das relações sociais: proceder à revisão do Código Civil em matéria de relações familiares, tendo em conta as novas realidades sociais, lançar um programa de inclusão social das comunidades imigrantes. (pág. 26 do referido Relatório)

Daqui JPH conclui pela sua própria cabecinha (tenho que ter cuidado com JHP não vá ele declarar-me também pidezinho ou bufo ou coisa que o valha) que isto se traduz «em novos direitos para os homossexuais, nomeadamente direito de se casarem pelo civil, e mesmo, por extensão, de adoptarem crianças».

Mas deixa avisos. Sócrates não está para temas «fracturantes» (disse fracturantes ou «fracturantes»? Devo andar mesmo desmemoriado, porra!) antes do fim desta legislatura, apesar deste autêntico «Programa Legislativo» (que é o Relatório proposto, entre outros, por Vital Moreira, não sei se estão... o aborto e tal!) se encaixar numa «agenda» (será Moleskin?) a propor para a próxima legislatura e que cabe na perfeição com o «timing» (oh! la! la! que modernidade no palavredo!!!) das ditas comemorações.

E mais. Sua Ex.a Le President de la République já avisou que esta coisa das «comemorações da fundação da República não devem servir de pretexto para dividir os portugueses em torno de polémicas velhas de décadas, destituídas de sentido no nosso tempo» (que giro, ainda hoje lia nesse jornal dos maus ventos ou casamentos, que os consensos são o fito de regimes pouco democráticos, para não lhe chamar totalitários). É que se querem altos patrocínios de M. Le President este acto «deve ser assinalado com alegria, tranquilidade, elevação e sentido de Estado» e nada cá do «Estado patrocinar versões oficiais ou oficiosas da História».

O texto do JPH é um exemplo claro da utilização maciça e constante nos meios de comunicação deste país de todo um jargão linguístico e retórico neo-conservador que usa palavras como «fracturante» (que mete as mais díspares questões enfiadas num mesmo buraco. A evitar, claro), «agenda» (o conjunto dessas questões), «Programa» (que remete para evitáveis premeditações e ideologias) e associações rasteiras como a que é fácil fazer com Vital Moreira, uma das pessoas mais empenhadas na despenalização da IVG. Tema «fracturantes», por supuesto.

É por textos como este (que não sei bem definir se são opinativos ou jornalísticos) que posts como este do Daniel são patéticos (no caso particular, a roçar o xenófono). Porque são textos como o de JPH que formam a correnteza do que se escreve nos jornais portugueses ou se ouve nas televisões deste país.

É que não há jornalismo isento. Mesmo se é escrito por alguém de esquerda. Isso não tem mal nenhum, como dizia e muito bem o Eduardo Pitta aqui. O mal em Portugal é a esquerda, mesmo a que se diz moderna, acreditar ainda no incorruptível «homem novo» e, por outro, a direita, apesar de não acreditar na babela, usar essa bandeira para defender a isenção e a pluralidade dos meios de comunicação, sobretudo agora que parece vir um papão dois-em-um: esquerda e Espanha, num meio de comunicação nacional. Só um cínico, de facto, vê isenção e pluralidade nos media portugueses. Apontem-me um jornal de esquerda (para além dos autênticos panfletos que são os jornais partidários) neste país?

Já agora, porque foi o texto de JPH que me fez escrever tanto. Para além de fazer «traduções» um pouco (?) forçadas, o jornalista devia ler também a apresentação do Relatório onde se diz que:

A Comissão, como tal, não tem de fazer suas as propostas individuais dos seus membros nem muito menos as dos seus interlocutores. Do que se trata, portanto, é de dar testemunho de uma reflexão a várias vozes, aberta e controversial. Incumbe ao Governo e à futura Comissão nacional das comemorações tomar as opções devidas e fazer as escolhas apropriadas. (pág. 5 do dito relatório)

Nada me agradaria mais que a República fosse comemorada com todas estas propostas e sobretudo com casamento entre pessoas do mesmo sexo (sem merdas de referendos). Mas a campanha contra já começou, de facto. Giro, giro é que espero no mesmo sítio alguma da contradita que se vai fazendo neste rectângulo.